Mais de metade do nosso corpo é composto por água, dois terços dos quais se encontram nos espaços intracelulares e o terço restante nos espaços extracelulares. Especificamente, nos homens, 60-70% do peso corporal é água, e nas mulheres, 50-65%. Isto porque as mulheres têm uma maior percentagem de gordura corporal, uma vez que a gordura é anidra e, por isso, apresentam uma menor proporção de água.
Em triatlos, ultratrilhos de montanha, maratonas de BTT, passeios de bicicleta, corridas populares ou simplesmente sessões de treino longas, transpiramos e perdemos fluidos, especialmente quando as condições são altamente stressantes termicamente: calor e humidade, como pode ser o caso do Ironman do Havai. Surge uma questão: devemos repor os líquidos? E em que quantidade?
A resposta é simples:
nem de menos, nem de mais . Mas… o que é de menos? E de mais? Se não o conseguirmos, o nosso desempenho diminui? Ou, pior ainda, colocamos a nossa saúde em risco? E se exagerarmos… aconteceria o mesmo?
Felizmente, para resolver estas dúvidas, temos a ciência do nosso lado e, com uma ferramenta simples como a monitorização do peso perdido (a maior parte é líquido) durante uma competição/treino, podemos levar o "laboratório" para a "pista" todos os dias e estimar o grau de desidratação e monitorizar a taxa de suor de um atleta de uma forma simples.
Hidratação pré-competição
A hidratação nos dias que antecedem uma competição é essencial, especialmente quando realizada em ambientes com um elevado nível de stresse por calor. As "
Recomendações de Consenso sobre Treino e Competição no Calor ", recentemente publicadas, indicam que a ingestão de líquidos deve ser de 6 ml/kg de peso corporal a cada 2 a 3 horas (cuidado com as longas caminhadas pela feira de corrida sem hidratação adequada!) e aproximadamente meio litro nas 2 horas anteriores à competição, com cerca de 3 gramas de sódio.
Hidratação DURANTE – competição
Em termos de números, os estudos laboratoriais indicam que a perda de peso inferior a 2% não afeta o desempenho, enquanto perdas entre 2% e 5% afetam negativamente o desempenho físico aeróbico (cãibras, fadiga, confusão), e perdas acima deste nível podem levar a problemas de saúde graves (insolação). No entanto, quando estas medições foram realizadas em eventos desportivos reais, em vez de testes laboratoriais, parece que o nível acima do qual o desempenho atlético é afetado pode aumentar para uma média de 3% a 4%, especialmente quando o atleta está bem treinado e aclimatado.
Para estimar a necessidade de reposição de líquidos durante o exercício, é necessário conhecer a sua taxa de suor. Assim, deve beber líquidos suficientes por hora durante a atividade física para que o défice de suor em relação à ingestão de líquidos não exceda 2% a 4% do peso corporal (quanto menor a margem, menor o nível de treino e adaptação do atleta).
Para conhecer a taxa de sudação, são propostas duas alternativas.
- Opção A – Dados genéricos
Vários estudos indicam que a taxa média de suor durante a atividade física varia entre 1,5 e 2,5 litros por hora.
Por exemplo, num teste de meia maratona, foram relatadas taxas de suor de 1,5 ± 0,3 L/h, enquanto que nos testes de Ironman, 0,8 ± 0,9 L/h durante a secção de ciclismo e 1 ± 0,6 L/h durante a maratona.
- Opção B – Dados individualizados
As taxas de suor variam consoante as condições meteorológicas (frio vs. quente; seco vs. húmido), o género (as mulheres suam menos que os homens) e o nível de treino ou aclimatação do atleta ao ambiente. Por este motivo, a mesma pessoa pode apresentar taxas de suor diferentes ao longo da época, dependendo do seu nível de treino, aclimatação e local da competição.
Para desenvolver uma estratégia de reposição de líquidos personalizada e à medida durante o exercício, é necessário compreender a sua taxa de suor individual e adaptar as suas necessidades de ingestão de líquidos a essa taxa.
O seu cálculo aproximado é simples:
TAXA DE SUOR (L/h) = (Peso PRÉ-atividade - Peso PÓS-atividade - Peso dos alimentos/líquidos ingeridos + Peso estimado da urina excretada) / horas de exercício
A reposição de líquidos deve ser suficiente para evitar uma perda de peso superior a 2% a 4% no final da corrida. Numa meia maratona, pode perder até 2,5% do seu peso corporal, e num Ironman, 3,5% (1% na água + 0,5% na bicicleta + 2% na maratona).
De um modo geral, recomenda-se que a bebida a ingerir durante o teste contenha sódio, aproximadamente 0,5 a 0,7 g/L, podendo esta quantidade ser aumentada para 1,5 g/L em condições quentes e húmidas.
Hidratação pós-exercício
Para recuperar da desidratação após um evento desportivo ou uma sessão de treino, a melhor opção é repor os líquidos o mais rapidamente possível, no prazo de 60 a 90 minutos após a atividade.
A quantidade a ingerir deve situar-se entre os 120 a 150% do peso corporal perdido, sendo mais eficaz com a ingestão de fruta ou adicionando pequenas quantidades de sais minerais à bebida.
Concluímos este post discutindo as recomendações de ingestão de líquidos para a desidratação grave. Mas será que é possível ficar intoxicado por beber muita água? A resposta é SIM, e é um fenómeno conhecido como "hiponatremia", comum em eventos de longa duração e com ingestão adequada de minerais. Discutiremos tudo isto num post futuro.
Esperamos que tenha gostado destas linhas e que tenham sido úteis.
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Doutor Guilherme J. Olcina Camacho
Diretor do 226ERS - Endurance Research LAB.
Diretor do Grupo de Investigação GAEDAF da Faculdade de Ciências do Desporto da Universidade da Extremadura.
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Referências
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